terça-feira, 22 de setembro de 2009

ORAGO:SÃO TOMÉ (22 Dezembro)


4 comentários:

  1. Surpreendemos cabriolando
    a cambalhotas a esperança.
    Por corridos versos,
    encetas sussurrar fantasmagorias
    da manhã, num registo retinido.
    -
    Quase delida é a fim a tarde.
    Versos muitos releio meio insone.
    Abre-se-me último o sol rubro
    ao fundo da janela no poente.
    Reacendem-se-me clarins, gozo
    que meu ser alado sente.
    Lidas rimas vão sumindo à vista
    o percurso, passo a passo ausente.
    Morto é o passado, no entanto vivo,
    ido o só instante, débil felicidade.
    -
    Os mortos se apartam deslumbrados,
    deixando-nos bens aqui colhidos.
    Sinto perto demais o dia certo
    de deixar pender a chão
    meu pobre fruto.
    Mas mais e mais me agarra a vida,
    a desfrutar o terno amor que te devoto:
    Eterno reinício, acto incerto,
    fogo de o teu corpo amar por fado,
    como eterno meu devotamento
    à anímica raiz, só puro indício.
    O desenlace ache a hora boa, que até
    à vivaz luz prossigo enquanto pasmo.
    -
    Regresso a sós plantinhas,
    desmaiando névoas;
    luz fermentando tenuemente,
    célere passou um outro Agosto.
    -
    Tarde descobri a Serra Arrábida,
    onde está prà alma doce enlevo;
    tarde a descobri, mas ainda a tempo
    de seu abraço gozar, divino enleio.
    Branda me desfrute, íris dum mirar,
    branda me enlace, sonho realidade,
    brando me frua o seu frolido ar,
    arqueada onda da saudade,
    o meio-dia sem ocaso a clarear.
    -
    Na luz nado
    águas do meu nada,
    da hora a aura envolve-me almas,
    soo os versos, assim-assim diversos,
    graça a que nem meço o início imenso.
    -
    Clamei não abraçarmos a terra da paz;
    não entregarmos a inteira vida;
    não matar-nos fome e sede de justiça.
    -
    Grande luz chegando cá…
    Alta noite, aclarada alegria,
    humaníssimo amor já nos habita.
    Do sonho exultando
    se encaminham pastores
    até ao luzir sem par
    lá por Bethlehem.
    -
    Flor Santa Pobreza,
    comigo durmas hoje,
    adorável esposa,
    do Cristo rainha.
    Ele te saboreou sábio
    o odor humilde, bondoso, casto,
    proclamada paz radiosa,
    sacratíssima face
    ensanguentada.
    -
    ‘Dos largos males breve história…’
    Dura dor, brando sussurro,
    crua mágoa, temperada rima,
    fera cegueira, deslumbrada luz,
    idas memórias, agora vida,
    pouco ver, mar aberto aos olhos,
    ardido fogo, renascido amor,
    fugaz ardor, vivaz luzeiro,
    sobressaltos, astros, fastos,
    descaminho, caminho
    a porto remoto amado,
    ao o pensar presente,
    pois Maria porta é prometida,
    e tida, para sempre.
    -
    Tempo pleno,
    poema a que nada falta.
    Hoje inteiro o dia completude.
    Embarque solidário.
    Voe até a ponto igual
    a onde estou,
    em retorno a mi.
    Donde vim e vou sou,
    esclarecendo olhares,
    derramados,
    cada lance;
    indizível sabor,
    clara verdade.
    Enquanto risca o vidro
    num voo curvo
    a ave.

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  2. PRIMEIRO ÚNICO SONETO DO JARDIM DO LUXEMBURGO:
    Pombos e pombas por todo o mundo,
    que ronroais ante meus pés quase descalços
    a quietude, a mansidão - por tudo haverdes por nada.
    Vós, sem voz, sempre eloquentes, timidamente dizeis
    que não oscile milímetros do íntimo ânimo
    ante a completude haurida, plena graça.
    Que não vagueie a vãos afãs, antes sossegue
    num pulsar divino, na sintonia com o coração do mundo.
    E viagem termine antes de toda a partida,
    viagem quieta, voo estancado pela melhor altura,
    qual, desde aqui em baixo, absoluta reside.
    Poeta, deixeis os comuns mortais erguerem-se, abalarem.
    Não os tereis mais, como outrora, suspensos do olhar,
    esses que amaríeis rever convosco no coração da cor.

    ANÁFORA DA VIDA PROBLEMÁTICA:
    Se só uma vez estás vivo,
    se só uma vez dizes Amor,
    se só uma vez salvas Amigo,
    se só uma vez acenas Adeus,
    se só uma vez vês a Cor,
    se só uma vez vives a vida,
    se só uma vez morres da morte,
    se só uma vez o grão do trigo sepultas
    para dares lugar ao pão para a mesa…
    Porque disse então
    o Cristo Jesus dos paradoxos
    ser preciso nasceres de novo?

    Inscrições:
    Amar ante
    amor amante.
    A ao amor amado
    devolver amor.
    A o amor amar
    por toda a vida.
    -
    Deus Menino,
    conte à Mãezinha tudo,
    tintim por tintim.
    -
    Há muitas flores no nome de Jesus,
    porque, se andamos longe,
    mais perto estamos.
    -
    Brando ser,
    pleno poema breve,
    neve leve, à tona de ar,
    corre e vai,
    longe a paisagens onde
    para lá de vento e mar.
    -
    Desperta,
    enche da flor em neve,
    vinho, pão meus olhos,
    minha terra.

    FIM

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  3. Pungente entristecer p’la minha terra:
    Subíamos rua acima para a casa da mulher amada.
    Sob nossos passos, p’lo amanhecer, despegava-se palha enlameada.
    Casara, tinha marido e filhos.
    Beijávamos a prima, que, com as tias,
    se encaminhava à oração da tarde.
    O pai dobrava-se ao fundo da encosta sobre uns bacelos.
    Estávamos pra retomar o rumo pedregoso
    mai’las santas mulheres.
    De amores idos rasto vão.
    Dizem Senhor, Senhor, mas não vencem O Reino.
    A só amorosa medida os sopesará.
    Conclua-se que deambulávamos nuns sítios
    e acordámos noutros.
    -
    -

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  4. Jamais acabaremos de explicitar o claro dia.
    O pai divorciara-se e vivia em Faro.
    Ele seguia por toda a parte a João Paulo II.
    Incompatibilizara-se com um tio seu,
    com quem frequentemente se cruzava.
    Como reacender diálogo?
    Não que se ralasse, dava-se por abalado.
    Não só as catedrais encantam o esparzido mirar,
    também o que em nós vive e não se diz.
    ‘Projecto de sucessão…’
    Continuar de pé até que pombas de meus olhos voem.
    Continuar dormindo até se regelarem dedos.
    Continuar rezando até que tempo finde.
    Continuar esperando que café feche.
    Continuar despido até que colchão navegue.
    Continuar escrevendo até que papel acabe.
    Continuar apaixonado até que mundo acorde.
    Continuar sonhando até que morto durma.
    Continuar delirando até se incendiarem órbitas.
    Continuar ladainhas até que cérebro estale.
    Continuar a acompanhar o derrube dos tiranos.
    Continuar iluminado até que a maluqueira passe.
    Continuar chorando por miosótis encarnado.
    Continuar a teimar no trevo das quatro folhas.
    Continuar a seguir rota de estrela cadente.
    Continuar a guardar no coração cintilações natalícias.
    Continuar a procurar piolho estrelinha
    na cabeça rachada do Menino Jesus.
    Continuar a arriscar vermelho branco.
    Continuar sangrando até se esgotar água.
    Continuar boiando até que sangue estanque.
    Continuar a coçar jubilosa ferida.
    Continuar a prolongar gélido chuveiro.
    Continuar a adorar mulher artimanha.

    Continuar a andar sobre escombros lua.
    Continuar sentado até os pés da cadeira enraizarem.
    Continuar a dar corda a relógios que ninguém olha.
    Continuar escutando especial música.
    Continuar a elucubrar variáveis linguagens.
    Continuar a cantarolar milagre da vida.
    Isto e muito mais até que paizinho evapore.
    Isto e muito mais até que paz floresça.
    -
    O super-criativo dramaturgo dos entremezes
    misturou dinheiro com borboletas, entenda-se
    actores falhados, recém-formados no Conservatório,
    alimentando milhentas ilusões,
    Cristo, Benigni, Buda, Fellini, Kafka, Saramago e Dario Fo.
    Ilusionista, minimalista, sensacionalista
    fez personagens comer montes de erva,
    sacando-as à insídia tabagista.
    Enfim reconhecido por Hollywood e Academia,
    que tais momos símios reabilitou.
    Outrora por foro médico declarado somente
    esquizofrénico-paranóide de discurso alucinatório ilógico,
    ao lhe perguntarem insistentemente se ouvia vozes
    respondia: Não, não, infelizmente não ouço!
    Montou, explicamos, super espectáculo exótico:
    Arranjou carrinha com articulações bizarras,
    foi conquistando mundo, Leste dentro,
    enquanto Sua Santidade peregrino
    conseguia avanços diplomáticos,
    que contribuíam para sucessivos degelos
    entre fundamentalistas ortodoxos
    para não mencionar dinossauros marxistas.
    Estrondoso êxito para barbárie,
    autêntica festa, sonho e loucuras delirantes:
    Estrelas decadentes luzeiros e fogo soprado,
    sobremaneira convincentes prò bom Deus pasmado.
    Achou um jeito seu, animista, de tratar luzinhas,
    odores, super atletas, marcações, actores
    desdobrando-se em contorcionismos,
    improvisos, arranques, imprevistos malabarismos.
    Não que fosse circo ou ópera bailada,
    mas inédito festival.
    Conseguiria obter universal aplauso,
    pois movia quanto mais primitivo há no fenómeno humano.

    Autêntico iluminista místico malabar, suposto autor realizador filósofo
    encenador, alongou devaneios após devaneios, decénios após decénios,
    num comummente designado intermédio pós modernidade.
    Acabou por colher louros possíveis,
    áureas estatuetas, Pulitzer, Nobel.
    Criança que mais não desejava senão ouvir pássaros
    na manhã a louvar sem fim.

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